quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

. O Fim Que Foi o Começo .

Quando eu estava prestes a me jogar de cima do viaduto, encontrei um envelope preto no chão, estava grudado. Ele me chamou atenção, pois tinha várias gotas nele... Eram de cola incolor. Pareciam lágrimas. Como não havia mais ninguém passando, peguei, abri e comecei a ler. E dizia assim:

Oi, meu nome é Camila. Tenho 20 anos e moro aqui mesmo, em São Paulo. Hoje senti vontade de me matar, por isso escrevi essa carta. Preciso ir em paz, dar a alguém um pouco do que sinto. Contar um pouco do que passei.
Desde os meus cinco anos de idade eu sofro todos os dias, a todo momento. Aprendi a desconfiar das pessoas, a não querer ter amigos, a viver só. Ninguém me conhece, ninguém nunca ouviu minha voz. Só a minha farsa.
O motivo de tudo isso é meu pai. Um pai de família, da minha família! Ele tem quarenta anos. Dois filhos com outra mulher, sua primeira esposa, e um com minha mãe. O Henrique, que tem vinte e três.
Meu pai me faz sofrer demais... Ele me abusa sexualmente. Faz coisas horríveis comigo, me diz coisas horríveis, e eu não posso contar a ninguém. Ele me ameaça a cada relação que temos, diz que matará toda a minha família. Ele é um louco.
Tudo começou quando ele chegou em casa bêbado e drogado. Minha mãe e Henrique estavam no médico, porque mamãe precisava fazer exames de rotina, e Henrique foi retirar o gesso do braço esquerdo.
Eu estava só, dormindo, quando ele entrou no meu quarto. Ele deitou ao meu lado, cantou uma canção de ninar para mim, e eu adormeci. Só lembro de ter acordado com ele alisando meu corpo, me apertando... Me assustei e levantei, e ele mandou que eu voltasse a dormir. Me lembro apenas de ter sentido uma dor muito forte.
A partir daquele dia, meu pai sempre vinha em meu quarto durante a noite, e repetia tudo aquilo. Eu já não suportava mais. Era nojento, ridículo, apavorante. Foi quando eu disse que contaria à mamãe, e ele disse que a mataria. Não tive escolha.
Eu tinha um baixo rendimento na escola, e ninguém sabia porquê, já que eu era uma criança muito esperta. Eu sofria calada, mentia para todos, sobre tudo. Não sorria, não cantava, não vivia. Eu estava amargurada.
Com o passar dos anos, nossa relação ficou mais intensa, e já tínhamos relações sexuais “normalmente”. Ele tomava muito cuidado para que eu não engravidasse, já que eu nunca havia namorado com ninguém, e mamãe sabia.
Na semana passada, eu comprei três passagens de ida para o Rio de Janeiro, onde mora a minha avó materna. Uma para mim, e as outras para mamãe e Henrique. Isso porque pensei em denunciar o pai, e fugir com minha família.
Mamãe adoeceu, e não pode viajar. Perdi as esperanças, o ânimo... Estou entregue à tristeza, à amargura, à solidão. Não confio em ninguém, porque penso que as pessoas podem ser como meu pai.
Ontem foi a gota d’água. O fim. Meu pai veio ao meu quarto às 2h da manhã. Ele estava bêbado, drogado e... armado. Me bateu, e eu não podia gritar. Fez coisas horríveis comigo. Hoje acordei sem vida. Só resta ao meu corpo morrer. E é isso que acontecerá.
Não sei quem é você que está lendo, quantos anos tem e muito menos por quais problemas está passando. Só agradeço por ler estas linhas, por me ajudar a me livrar de um pouco do peso que carrego.
Tenha uma boa vida!

Meus olhos se encheram de lágrimas. Havia alguém com problemas piores que os meus, e eu não sabia. Com minha visão egoísta, achei que era a única a sofrer nesse mundo. Desisti da morte. Tive vontade de vida. Camila se foi, mas me salvou.